“Você, você mesmo, tanto quanto qualquer pessoa no universo inteiro, merece seu amor e afeição.” – Buda.
37 - Respondeu Jesus: " 'Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento'.
38 - Este é o primeiro e maior mandamento.
39 - E o segundo é semelhante a ele: 'Ame o seu próximo como a si mesmo'. Mateus 22:37-39.
Entendendo o Vício Além da Força de Vontade
Superar o vício é um processo complexo que vai além da pura força de vontade. Como Nora Volkow, diretora do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas (NIDA), explica, o vício altera as funções cerebrais responsáveis pelo autocontrole e compromete o livre arbítrio e as habilidades de tomada de decisão.
Esta perspectiva nos ajuda a compreender que o vício não é uma falha moral, mas uma doença cerebral que frequentemente requer uma combinação de intervenções comportamentais e tratamentos farmacológicos para ajudar os indivíduos a recuperar o controle sobre suas vidas (Volkow, 2015).
Esse entendimento desafia a noção ultrapassada de que a recuperação do vício depende apenas da força pessoal ou de boas intenções. Compreendemos que a medicação é parte importante para o tratamento, entretanto, a recuperação requer uma exploração mais profunda de padrões emocionais internos, como crenças negativas sobre si mesmo, que frequentemente servem como obstáculos para a cura. Os clientes podem lutar contra o sentimento de culpa, vergonha e inutilidade, o que pode amplificar seus comportamentos viciantes.
O ciclo da vergonha e do autojulgamento no vício.
Muitos indivíduos com transtornos por uso de substâncias como cocaína, maconha e outras drogas, ou ainda, viciados em pornografia, jogos, entre outros, particularmente aqueles em processo de recuperação, muitas vezes vivenciam ciclos intensos de vergonha, culpa e autocrítica. Isso ocorre porque se sentem incapazes de mudar e acreditam que não merecem amor e aceitação.
Volkow (2015) enfatiza que o autojulgamento não apenas alimenta o vício, mas também faz com que a recuperação pareça avassaladora, como nos exemplos abaixo:
Eu vivo ciclos intensos de vergonha, culpa e autocrítica, que nunca acabam.
Tenho medo de tentar novamente e continuar sem obter nenhum êxito de reconhecimento e financeiro, eu estou muito cansado.
O curioso é que, no fundo, tenho um sentimento de que sempre posso mais e ter “sucesso” para mostrar para as pessoas como realmente sou inteligente, competente e conseguir ser um profissional renomado e bem-sucedido financeiramente, porém tentei tantas vezes e não consegui e sinto-me MUITO CANSADO.
À medida que os pacientes internalizam essas crenças negativas, eles correm o risco de ficar presos em um ciclo de desespero. E, sem intervenção, esses padrões de pensamento reforçam o uso de substâncias como uma forma de fuga, perpetuando o vício.
Autocompaixão como um caminho para a recuperação.
A mensagem de Buda e Jesus Cristo oferece um antídoto ao pensamento baseado na vergonha: autocompaixão. Desenvolver a autocompaixão ajuda a mudar o foco da autoculpa para a autocompreensão. O vício prospera em ambientes onde a vergonha diz aos indivíduos que eles não são dignos, mas a autocompaixão contraria essa narrativa dizendo:
"Você é mais do que seus erros."
"Você é alguém com dor que merece gentileza, mesmo em momentos de luta."
Cultivar a autocompaixão permite que os indivíduos vejam os contratempos não como fracassos, mas como oportunidades de aprender e crescer. Por meio dessa lente, a recuperação se torna um processo de transformação interna — uma jornada em que cada momento de sobriedade, afirma a autoestima e reforça a crença de que a mudança é possível. À medida que o indivíduo começa a restaurar seu relacionamento consigo mesmo, ele se torna mais bem equipado para sustentar a recuperação a longo prazo.
Quebrando o ciclo vergonha-vício: aplicações práticas.
Incorporar a autocompaixão ao trabalho terapêutico ajuda os clientes a criar as condições para uma mudança significativa. Os psicólogos podem orientar os clientes a praticar o diálogo interno compassivo, explorar técnicas de atenção plena e desafiar as crenças centrais que sustentam comportamentos viciantes. Por exemplo:
As intervenções de Autocompaixão Consciente (MSC) ajudam os indivíduos a observar seus pensamentos negativos sem se identificarem demais com eles.
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) pode abordar pensamentos motivados pela vergonha, substituindo-os por crenças mais saudáveis e autoafirmativas.
Conforme explicado pela Dra. Kristin Neff (2024), compaixão é um conceito derivado do latim, referindo-se à nossa compreensão do sofrimento. Envolve perceber as lutas de um amigo e reconhecer que ele ou ela está sofrendo. Compaixão envolve responder com calor, compreensão e gentileza, reconhecendo que o sofrimento faz parte da experiência humana compartilhada.
Os três principais elementos da compaixão são atenção plena, humanidade compartilhada e gentileza. Ser compassivo consigo mesmo é fundamental para expandir nossa capacidade de ser mais empático e compreensivo com os outros. Em particular, o termo - humanidade compartilhada enfatiza que o sofrimento e a imperfeição são aspectos universais da vida, promovendo conexão em vez de isolamento.
Além disso, os clientes podem se beneficiar de exercícios práticos de autocompaixão que podem fazer em casa para complementar a terapia:
Diário: incentive os clientes a refletir sobre momentos em que vivenciaram dificuldades ou autocrítica. Um pensamento útil é: "Se eu estivesse falando com um amigo nessa situação, o que eu diria a ele?" Isso ajuda a cultivar um diálogo interno mais gentil.
Práticas de atenção plena guiadas: sugira que os clientes usem aplicativos ou gravações para se envolver em breves exercícios de meditação, como uma meditação de bondade amorosa, onde eles geram sentimentos de compaixão primeiro por si mesmos e depois os estendem aos outros.
Afirmações diárias: convide os clientes a criar afirmações pessoais, como "Eu sou digno de cuidado, mesmo quando estou lutando", e repita-as ao longo do dia para combater a conversa interna negativa. (Neff, 2024)
Desta forma, a recuperação se torna menos sobre força de vontade externa e mais sobre cultivar resiliência interna — a capacidade de atender a desejos e desafios sem recorrer ao uso de substâncias.
Conclusão: Redescobrindo a autoestima por meio do Amor e da Afeição.
Do ponto de vista terapêutico, as mensagens dos mestres mencionados enfatizam que o amor-próprio e a afeição não são luxos, mas essenciais na recuperação. A sobriedade, quando vista pelas lentes da autocompaixão, se torna um ato de autoafirmação: "Eu sou digno de amor e cuidado." Cada dia de sobriedade se torna mais do que apenas abstinência — é uma expressão de pertencimento a si mesmo.
Com cada ato de gentileza direcionado para dentro, o domínio do vício se afrouxa, abrindo espaço para novas possibilidades e crescimento pessoal. O caminho para a recuperação não é apenas sobre lutar contra desejos, mas sobre redescobrir o valor inerente a alguém. À medida que os clientes aprendem a substituir velhos padrões de vergonha pela aceitação, eles constroem um amortecedor protetor contra a recaída — criando uma base para uma vida baseada em compaixão e propósito.
"Esteja você lidando com vício, ansiedade ou trauma, a jornada começa com uma verdade simples e profunda: você é digno de amor, cuidado e compaixão, começando por você mesmo. A recuperação não é apenas sobre superar o vício — é sobre resgatar o próprio valor. Esse princípio se estende além do uso de substâncias, aplicando-se a qualquer pessoa que esteja enfrentando outros desafios, como depressão, ansiedade ou trauma. Nesses casos, também, a recuperação envolve não apenas gerenciar os sintomas, mas também redescobrir um senso de autoestima e valor pessoal."
Referências
ACHOLOGY QUOTES, disponível em:https://achology.com/achology-quotes/buddha-3/, acesso em: 20 out, 2024.
BÍBLIA ONLINE: Marcos 22: 37-39, 2024, disponível em: https://www.bibliaon.com/versiculo/mateus_22_37-39/, acesso em: 23 out., 2024.
NATIONAL INSTITUTE ON DRGS ABUSE, Addiction Science, 2018, disponível em: https://nida.nih.gov/publications/drugfacts/understanding-drug-use-addiction, acesso em: 20 out, 2024.
NEFF, Kristin Neff,What is Self-Compassion?, 2024, disponível em: https://self-compassion.org/what-is-self-compassion/, acesso em: 23 out, 2024.
VOLKOW, Nora, Addiction Is a Disease of Free Will, 2015, disponível em: https://addictioneducationsociety.org/addiction-is-a-disease-of-free-will/, acesso em: 20 out, 2024.
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